quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Entre a teoria e a prática

Por Carolina Sena

Com quase quatro anos de atraso, o Ministério da Cultura finalmente começou a cumprir a determinação disposta no decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, de garantir tratamento diferenciado aos surdos através do uso da Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS. Oficialmente, pelo menos 5% do quadro funcional do MinC e de suas instituições vinculadas devem estar aptos a usar e interpretar a LIBRAS. Promover o acesso às tecnologias de informação e capacitar servidores, funcionários e empregados são os desafios que o Ministério tem à frente. Mas até agora, o mesmo não adequou seus portais na Internet ao sistema de janelas de intérprete. Cursos de capacitação em LIBRAS, no entanto, andam de vento em popa.

Pode-se imaginar que, teoricamente, agora, a comunidade surda possa sair de seu “casulo” e transitar nos espaços tradicionalmente criados para os ouvintes, sem receio de ser mal compreendida. Museus e bibliotecas, munidos de funcionários especializados, capazes de se comunicar em LIBRAS, finalmente receberão os surdos como seus usuários ouvintes.

Seria incrível se a Língua de Sinais pudesse operar milagres, permitindo, além da comunicação entre surdos e ouvintes, uma reeducação do olhar da sociedade em relação ao surdo – através do discurso do multiculturalismo em detrimento da noção patológica de surdez, banalizada.

Infelizmente, a forma como a disposição legal está sendo implementada não leva em conta uma série de questões. Receio que na Biblioteca Nacional, a exemplo do projeto de acessibilidade a usuários deficientes visuais, o treinamento de funcionários de atendimento especial seja estritamente técnico. No salão de Obras Gerais temos equipamentos para leitores cegos, com dois servidores capacitados para operá-los. Mas será o bastante? Quase não recebemos deficientes visuais, possivelmente por equívocos na nossa política institucional de acessibilidade. É possível que aconteça o mesmo no caso do atendimento ao deficiente auditivo, já que se mantém a mesma política de capacitação técnica do servidor, que se distancia de uma dimensão educativa e interativa mais ampla. O que sabemos sobre a cultura surda?

Precisamos ampliar as possibilidades de compreensão dos usuários deficientes auditivos. Seminários e convênios com o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS) e o Instituto Benjamin Constant seriam bem-vindos. O trabalho conjunto dos Ministérios da Cultura e da Educação é vital para que a implementação do decreto seja bem sucedida. Afinal, tratamos do encontro e de trocas entre culturas, de eliminação de preconceitos e do direito à diferença, não apenas de métodos e técnicas capazes do cumprimento à lei.

Em tempo: segundo o decreto nº 5.626, o serviço de atendimento ao usuário surdo estará sujeito a padrões de controle de atendimento e a avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos prestados. Assim esperamos...